Escrever é libertar-se de fantasmas reais ou imaginários que nos impõem transformá-los em linguagem, a fim de adquirirem existência e, muitas vezes, essência. Eles, geralmente, provêm, segundo aquela concepção de Sartre de que «o inferno são os outros» ou, conforme nossa percepção de que se há inferno, há, também, paraíso e, em decorrência, ele também pode ser os outros. É verdade que há mais infernos que paraísos inspirando o escritor, mormente na ficção em que as musas são menos freqüentes. Mas os diabinhos, ou os daimons dos gregos, que nos levam à criação, a fim de mostrá-los que Deus é maior e poderoso, exercem funções semelhantes a das musas. Como conseqüência, a literatura exercita dois papeis distintos: a catarse, já descoberta por Aristóteles, e a vingança, bem enunciada por Louise Desalvo, em seu Conceived with malice, traduzido como Concebido com maldade; embora prefira a tradução literal malice, malícia, uma vez que maldade seria wickedness, pois o discurso artístico não se atém à mera vingança; mas à malicia, uma vez que se goza do outro através da linguagem que se faz arte, através de sopro e alma conferidos pela palavra.